Simultaneamente
Às 4h30 da manhã
No bairro da Glória um jardineiro chegou à Praça Paris
e começava seu trabalho preocupado com as nuvens negras
que cobriam a cidade, pois eram um mau sinal naquela
manhã de primavera e poderiam atrasar seu trabalho. Sua
responsabilidade era manter o jardim bem conservado e
preservar o traçado e a elegância daquela praça inspirada
em
um jardim parisiense. Ele, com sua habilidade de um
artista,
esculpia figuras de animais nas plantas ornamentais e nos
pés
de fícus, usando toda sua imaginação. Orgulho do bairro
da
Gloria, a Praça Paris era uma referência no bairro desde
a
sua inauguração em 1926, em que as flores nunca deixaram
que agregava valor ao espaço em conjunto com a exuberante
estátua equestre do Marechal Deodoro da Fonseca em
bronze,
onde pombos rebeldes defecavam manchando a imagem da
ilustre figura histórica, fazendo com que o fiel
jardineiro
madrugasse para limpá-la antes da vistoria do prefeito.
Ate as
hortênsias brotavam nesse jardim tropical bem cuidado por
ele, o jardineiro fiel. Todos os dias, às cinco horas da
manhã,
ele já iniciava as suas tarefas. Começava aparando a
grama,
esmerando-se para torná-las perfeitas. Enquanto cumpria
as
suas tarefas rotineiras, ele assoviava o trecho da música.
O barquinho,
[de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli] “Dia de luz festa de sol e o Barquinho
a deslizar no macio azul do mar”, alegrando os corações dos primeiros
passantes, que sorriam agradecidos pela qualidade da sonoridade harmônica. Nos canteiros
central da praça, as azaleias coloriam o inicio do dia, enquanto pássaros
bebiam água nos chafarizes. O jardineiro dava uma pausa ao seu trabalho para
apreciar o avião da Panair pousar no Aeroporto Santos Dumont, sonhando que um
dia iria embarcar em um deles e poder levantar voo rumo à sua cidade natal no
Nordeste, onde alguém o aguardava. Enquanto ele sonhava com o seu retorno,
seguia em frente assoviando as músicas de sua predileção, que alegravam seu
coração nostálgico. Nessa mesma manhã de primavera sobre o Morro do Pão de
Açúcar, um acanhado raio de sol surgia entre nuvens sobre a baía da Guanabara e
iluminava o bondinho do Pão de Açúcar parado entre as estações. Enquanto não
amanhecia o símbolo maior da cidade, era como uma miragem sobre a montanha. A
estátua do Cristo Redentor, vista de longe, devido à neblina, parecia fechar
seus braços sobre a cidade de tanto frio. No centro da cidade, o suntuoso
Palácio Monroe rivalizava em beleza e esplendor com o Teatro Municipal, dando
valor histórico e arquitetônico à Cinelândia, onde pombos revoavam com o
despertar da cidade. O trânsito começava a fluir lentamente em direção ao centro
financeiro. Na ainda silenciosa e adormecida Av. Rio Branco, em frente ao Cine
Odeon, repentinamente o silêncio da manhã era quebrado com uma freada brusca de
um carro modelo Aero Willys de cor marrom, assustando o pequeno jornaleiro, que
caminhava tranquilamente pela calçada com seus jornais a tiracolo, anunciando
as manchetes com seu chamado peculiar “EXTRA, EXTRA”. Surpreendido pela freada
brusca, ele interrompeu seu chamado para a manchete do dia, o susto o fez
engolir as palavras que davam ênfase à sua chamada “extra, extra, bandido da
luz vermelha ataca de novo’’, quase deixando seus jornais caírem no chão. A
fumaça tomou conta do ambiente e um cheiro de borracha queimada impregnou o ar,
fazendo tossir o pequeno jornaleiro. O carro parou enfrente ao cinema Odeon,
que exibia o filme 007 contra o Fantástico Dr. No. A
porta do carro se abriu e uma jovem foi empurrada para fora dele. Ela saiu
tropeçando na mala que fora jogada logo a seguir sobre ela e quase se chocou
com a foto do ator Sean Connery no cartaz que estava emoldurado na vitrine do
cinema com cara de agente com licença para matar.
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