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São minhas palavras perpetuando histórias. Revivendo as memórias de coisas que nunca vi. São minhas palavras que criam esse mundo misterioso, do real ao ficcional. COSTA, JOÃO. MEU PENSAR , CONTOS , PROSAS E POEMAS 2 (02) . Edição do Kindle.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

TRAPAÇAS DO DESTINO CAUSA E EFEITO












Parecendo satisfeitos com o resultado, eles coçaram a cabeça e confabularam em tom baixo, para que ninguém ouvisse seus segredos e logo depois se retiraram, comentando entre si sobre o estado físico da vitima em local de risco. As nuvens se agruparam sobre a cidade e a chuva começou a cair, apagando rastros na noite, mas não com a intensidade anunciada, deixando pistas para trás. Mais adiante, a jovem estava tentando dormir, protegendo-se do frio com folhas de papelão, recostada na porta de entrada do ministério do trabalho. Uma hora depois, sem conseguir pegar no sono, ela acordou, trêmula e assustada com o intenso tráfego de caminhões e tanques de guerra, que trafegavam pela contramão, na rua Primeiro de Março. O forte pisar da tropa de soldados em marcha na cidade vazia ecoava de forma uníssona em seus ouvidos. Eles passavam olhando aquele ser envolto em folhas de papelão de listras amarelas e verdes. Seguiam uniformes, empunhando seus fuzis com baionetas que, de tão próximas da jovem, resvalavam em sua cabeça. Temerosa por sua vida e impressionada por tamanho aparato, ela permanecia inerte, como se morta estivesse. Olhares vindos de cima com pouca capacidade de avaliação avalizavam os riscos da sua presença, temerosos por qualquer reação contrária às suas ações, pois parecia, naquele momento, que todos eram inimigos antes de provarem ao contrário. Por isso, analisavam curiosos aquele frágil ser, temendo uma possível reação, mas, devido a seu estado físico aparente, perceberam que não representava nenhuma ameaça, e todo o resto da tropa passava ignorando-a, pois a sua presença não era ameaçadora. Sem a mínima noção do que se passava ao seu redor, ela simplesmente temia pela sua vida, pois eles a deixaram sobressaltada pela atitude arrogante com que passavam resvalando em seu corpo de maneira acintosa e provocante, desdenhando daquela pobre jovem mulher de pele morena cabelos longos e negros, que aparentava ter no máximo 16 anos. Apesar de sua boa aparência, suas roupas surradas escondiam a sua juventude e beleza, e só deixavam à mostra o que aparentava ser uma moradora de rua. Depois de acordar desse suposto pesadelo, ela recostou-se na parede que estava pichada acima da sua cabeça com letras garrafais de cor vermelha e desenhos de foice e martelo, com a frase “Abaixa a Ditadura”. Ela levantou-se e caminhava cabisbaixa por mais um quarteirão. Abalada com todo esse movimento a sua volta ela sentia os movimentos em seu ventre, estava consciente que nessa noite de inverno intenso, carregava consigo o fruto da maldade é a dor da incerteza. Nessa noite a temperatura provavelmente beirava a 15º, e parecia congelar seus pensamentos. Seu queixo batia debaixo do cobertor rasgado e gasto que ela achara na rua. Ela parecia desconexa vivendo nesse clima sombrio e tenso, que tomava conta da cidade e passava por momentos de grandes incertezas políticas. Ela estava alheia a tudo isto e há dias tentava somente ter direito à vida e sobreviver a esse momento crucial da sua gestação. 

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