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São minhas palavras perpetuando histórias. Revivendo as memórias de coisas que nunca vi. São minhas palavras que criam esse mundo misterioso, do real ao ficcional. COSTA, JOÃO. MEU PENSAR , CONTOS , PROSAS E POEMAS 2 (02) . Edição do Kindle.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

TEMPOS DE TRAIÇÃO POSSUÍDOS POR TRAIÇÃO

TRECHO DO LIVRO



Depois de um tempo que ele não soube precisar, Venâncio recobrou ligeiramente seus sentidos. Os sacos com os corpos não estavam mais na sala. De uma porta camuflada atrás da estante surgiu quatro seres com roupas negras cobrindo todo o corpo. Eles o rodearam e se sentaram ao seu lado a mesa, em silêncio. Lancarto dirigiu-se a cada um dos presentes em sussurros, em uma linguagem que Venâncio não entendia.
Lancarto foi até a frente de todos, segurou o brasão da família acima da cabeça e disse:
- A partir de hoje teremos um novo membro incorporado através do ritual de obediência e segredo que irá para o túmulo com os membros aqui reunidos. Refaçam os votos de respeito ao símbolo maior da família Aranha, que por século jura obedecer, honrar e defender a qualquer preço a nossa conquista através dos séculos.
Após o ritual de reverência ao símbolo da família, disse:
- Se todos estiverem de acordo com o novo membro, o abracem em sinal de aceitação.
Neste momento, todos se reuniram em volta do novo membro e o abraçaram, encerrando o ritual sem mostrarem seus rostos ou esboçarem uma palavra. Em seguida, Venâncio foi levado até um dos aposentos da mansão no segundo andar. As escadas que levavam aos aposentos eram de mármores, nas cores salmão e bege e tapetes persas adornavam o ambiente.


No quarto, uma cama de jacarandá talhada e protegida por mosquiteiro fascinou Venâncio, que recobrava lentamente os seus sentidos, ainda confusos pelo ritual que a qual fora submetido. Sentado em um colchão macio, ele olhou para o teto, que agora não distorcia aos seus olhos. Tudo aquilo era real. Ele jamais havia visto uma casa como aquela em sua vida. Onde ele morava  até então não tinha mais que um metro e setenta, dificilmente ele ficava em pé, estava sempre sentado ou deitado; era apenas uma casa de camponês.
Agora, Venâncio não via a hora de deitar-se e dormir um sono dos deuses.
Na manhã seguinte, Venâncio acordou com seu café já servido em uma mesa lateral, as toalhas brancas de banho e de rosto estavam nos pés da cama. Eram exatamente nove horas, e alguém já havia entrado no quarto e ele não percebera; seu sono nunca fora tão pesado como naquela noite, ele nunca acordara tão tarde em toda a sua vida. Teve a sensação de que tivera um sonho macabro e ao mesmo tempo sentia-se bem de acordar naquele ambiente limpo e sofisticado. Pensou consigo mesmo: “Isto é o que eu quero para minha vida, não nasci para aquela pobreza.”
Seu corpo estava leve como uma pluma. Levantou-se e encaminhou-se até o banheiro. Um espelho estilo colonial tomava toda a parede acima da pia, e decorava suntuosamente o ambiente. Pela primeira vez ele se via em um espelho, pois sempre fizera sua barba usando como espelho seu reflexo na bacia d’água ou na beira do rio, usando seu recanto mais calmo sem correnteza onde o reflexo era possível. Nesse momento, sorriu para o espelho discretamente e esboçou uma leve careta, afinal ele era um jovem encantado com o luxo que nunca conhecera. Olhou para o chuveiro, acariciou seus metais e sentiu a frieza em suas mãos, como se fossem joias. O que era ainda melhor era a luz elétrica. Venâncio brincava com o interruptor como uma criança; era a primeira vez que ele tinha contato com a eletricidade, pois somente um por cento das casas de São Jose de Talvegue tinha luz elétrica. Depois de minutos de contemplação, resolveu abrir as torneiras e tomar seu primeiro banho de chuveiro na vida

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