TRECHOS DO LIVRO
Nos anos vinte, esse grupo de camponeses, que não
tinha como ideais ideologias marxistas ou comunistas, lutavam contra um governo
corrupto e cruel, que os escravizava em benefício dos latifundiários e donos de
usinas de açúcar, jazidas de carvão e minérios nobres, como ouro e prata, que
eram o carro-chefe da economia local.
O presidente Don Lancarto Aranha governava com mão
de ferro esse país de dimensões continentais. Dividia o poder e os dezessete
milhões, oitocentos e dezenove mil e cem quilômetros quadrados com seus
seguidores, nomeados com títulos de nobreza, negando aos pobres trabalhadores
rurais e os nativos o direito à escola ou qualquer direito trabalhista.
Chacon temia terminar como todos os membros da
frente revolucionária, que quando descobertos eram perseguidos, presos e
desapareciam misteriosamente das cadeias de San José. Boatos de rituais
macabros se espalhavam pela cidade. A família Lancarto tinha um zoológico
particular com animais vindo da África e da Ásia, como leões e tigres, que
diziam ser alimentados por opositores mortos em rituais secretos. O povo
acreditava que tais rituais lhes concederiam mais poderes. Suas propriedades
ostentavam símbolos que representavam para os nativos o sacrifício.
Chacon tentava não pensar nisso para não perder a
coragem e seguir na luta. Seu filho Venâncio, com cinco anos, não entendia o
que se passava com a sua família, reclamava das andanças do pai e da mãe, que
não podiam deixá-lo em casa sozinho.
Em poucos meses de militância, Chacon fora incluído
na lista negra do clã Lancarto como inimigo número um e teve sua propriedade
confiscada. Restavam poucas alternativas ao bravo líder; ele havia perdido os
poucos bens que tinha, e suas terras poderiam ser ocupadas imediatamente pelos
simpatizantes do governo.
Chacon e sua mulher passaram a ser perseguidos
pelo governo, e poderiam ser traídos por qualquer ambicioso que não se
identificasse com a causa que ele defendia. Ele havia sido alertado pelo padre
Francesco, que passara por sua propriedade naquela tarde a caminho de San
Paranhos, onde implantava um convento, que a sua prisão havia sido decretada.
Sem alternativa, Chacon estabeleceu um plano de fuga em direção às montanhas de
Talvegue, que ele e sua mulher conheciam bem.
Na madrugada fria do dia seguinte, deixaram para
trás seu povoado. Para Chacon, só havia uma saída: fugir. Era preciso preservar
seu sonho, sua integridade física e da sua família. Tiveram que deixar pra trás
suas terras e a casa onde moravam.
Após se manterem escondidos por dois meses na
floresta de San José de Talvegue, decidiram atravessar a montanha onde a
milícia não se aventurava com medo da guerrilha. Ele conseguia passar
despercebido dentro da floresta e por várias vezes presenciara as escaramuças
da guerrilha contra as milícias, que revidavam com um poder de fogo muito
superior devido às armas vindas do exterior, exterminando ou colocando os
milicianos em fuga. Chacon se revoltava com perda de vida de ambos os lados,
que só beneficiava o clã Lancarto.
Apesar de estar tão perto da batalha, Chacon até
aquele momento não cruzara com nenhum membro da guerrilha, e ficava feliz de
não ter que se incorporar às suas fileiras, de cujos membros ele divergia.
Durante a fuga, Chacon e sua mulher estavam exaustos, e se revezavam na tarefa
árdua de carregar o filho nas costas. O pequeno Venâncio estava desnutrido, sua
alimentação precária o havia debilitado, e constantemente padecia de febre.
Mercedes conseguia tratá-lo com remédios extraídos de plantas medicinais, que
ela conhecia e dominava profundamente por sua origem indígena.
Para facilitar a fuga, não carregavam nenhuma
roupa ou bagagem, usavam a sabedoria ancestral de Mercedes Dolores sobre o
conhecimento do terreno para extrair seu alimento e energia para sobreviverem
àquele momento difícil. Levavam na fuga somente um cantil para água, um pequeno
embornal com pedaços de pão, sal, um pequeno pedaço de carne defumada que já
estava acabando, duas pequenas pedras que serviam para fazer fogo, uma pequena
lamparina com óleo para iluminar em caso de emergência, e dois livros; um sobre
a Constituição americana, e a Bíblia, que Chacon lia nos momentos de reflexão
sobre a sua missão. Era nela que encontrava o conforto que tanto precisava. Ele
buscava forças nos salmos de Davi, e se recarregava de energia e esperança
durante as poucas vezes que param durante o dia. Sua esperança de dias melhores
para seu povo era retirada dos conselhos do padre Francesco, em quem confiava
para levar adiante essa jornada, e dos salmos de Davi, que o regenerava e lhe
dava forças para prosseguir na luta
Nenhum comentário:
Postar um comentário