Depois
de tentar, sem sucesso, vender limonada e engraxar sapatos para arrumar um
dinheirinho e assistir ao seu primeiro filme no cinema Metro, que era mais caro
que o Olinda, o menino contou com a sorte. Descendo a ladeira, ele achou uma
nota de dez cruzeiros. O inusitado aconteceu: encontrar dinheiro na rua na
descida do morro, onde quase todo mundo anda olhando para o chão, em pleno
domingo, em que todos se preparavam para
ir ao cinema, só poderia ser considerado um milagre. Seus irmãos não tinham grana
para levá-lo ao cinema. Aquilo era um verdadeiro golpe da sorte. Afinal, poucos
tinham para gastar e nenhum para perder. O filme era de fantasia, de Walt
Disney, e o cinema Olinda era o maior da praça. Ele perdeu mais tempo verificando
as pilastras do que o filme.
TRECO DO LIVRO
Entre
uma brincadeira e outra, treinava autodefesa, chutando pedras e dando socos nas
cercas de madeira. Alguns tapas trocados entre ele e sobrinhos, da sua idade, os
ajudavam a manter a forma para alguma eventualidade. As brigas entre o menino
que queria voar e seu sobrinho Edson, sempre incentivadas pelo seu irmão Jonas,
que adorava vê-los se pegando, eram corriqueiras. Outras vezes, este mesmo
irmão o defendia da dupla cavernosa, Alicate e Dejailson, que infernizava a
vida dele quase todos os dias. Dessa forma ganhava imunidade para continuar
sobrevivendo. Neste ínterim, as drogas começaram a aparecer timidamente no
morro. Ficavam restritas a uma minoria não organizada e bastante discriminada.
As armas eram um direito de todos, que se precaviam adquirindo uma para sua
proteção. Portanto, todos eram iguais perante as armas e não existia lei, nem a
dos mais fortes. A polícia aparecia de vez em quando para prender desempregados
ou vagabundos. O menino percebia que, em tais circunstâncias, só a fé da sua
mãe poderia protegê-lo das artimanhas, das armadilhas das sombras do mal.
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