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São minhas palavras perpetuando histórias. Revivendo as memórias de coisas que nunca vi. São minhas palavras que criam esse mundo misterioso, do real ao ficcional. COSTA, JOÃO. MEU PENSAR , CONTOS , PROSAS E POEMAS 2 (02) . Edição do Kindle.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

UM LUGAR CHAMADO MARAVILHA

João M. C. Jr

Um lugar chamado maravilha.
Nas asas da imaginação.
Contam os historiadores que os senhores da terra no passado tinham por hábito batizar as cidades fundadas por eles e as terras doadas pelo imperador com pompa e fanfarra. Gostavam de nomes compostos, eventualmente, por nomes indígenas nas terras menos produtivas, por serem excêntricos para eles, e de homenagear e agradar a igreja com nome de santos nas grandes capitais, ou quase sempre de pessoas importantes do império. Os desbravadores quando muito vaidosos seu próprio nome é de seus fundadores.
Mas, uma fazenda promissora surgiu no século XVII e teve supostamente seu batismo de forma inusitada, provavelmente por alguém deslumbrado por sua natureza.
Diz a lenda dos contadores de história que provavelmente seu proprietário, depois de vários dias de viagem, vindo de Minas Gerais, deslumbrou-se ao parar no Morro do Fama e admirar aquele vale. Ficou encantado ao olhar aquela paisagem verdejante repleta de pequenas flores vermelhas, azuis, e amarelas, e provavelmente exclamou a frase que daria o nome à sua fazenda.
O nome teria de ser sinônimo de quase tudo que é belo e se pode qualificar como algo além da sua expectativa, algo que o surpreendeu magnificamente, nesse cenário deslumbrante. O Alferes foi dominado por indescritível emoção, e, em estado de estupor, um largo sorriso brotou no sisudo homem do império. A alegria do momento o fez esquecer o cansaço da longa viagem que se arrastava a vários dias se transformou em euforia. Foi o que sentiu o Alferes, ao olhar para esse presente da natureza intocável. Só poderia fazê-lo vibrar com tamanha beleza e exclamar, em alto e bom som para todos que estavam em sua caravana ouvir: “Que maravilha esse lugar”. Depois desse dia, diz a lenda dos contadores de história de mula sem cabeça, saci-pererê, que todos que por ali passavam traziam consigo muitas lendas e histórias, de seus países de origem, e, ao partirem, depois de realizarem ou não seus sonhos, deixavam essa herança no imaginário popular. Essas lendas seguiam criando um folclórico festejo, dando vida e passado a esse lugar de encanto. Maravilha era emoldurada pela linda paisagem de montanhas, soberbamente coberta por nativas palmeiras.
Pati, cujo fruto as aves como juritis apreciavam e os nativos faziam seus brincos e colares, e existia uma vegetação rica, habitada por várias espécies de animais. As raras flores maravilha nativas da região, davam um colorido único, cobrindo todo o vale. As noites eram quase sempre claras, de um límpido céu azul, sem igual. Quando, no seu luminar, as estrelas brilhavam e pareciam cair sobre suas cabeças, aguçavam os desejos latentes de seus habitantes. Seus vales verdejantes nutriam os animais todos os dias do ano, e suas cachoeiras e rios, onde os índios se banharam por milhares de anos, ainda forneciam peixes em abundância. Todos que por ali passaram em busca de novos tempos ou habitaram através dos séculos nesse lugar ou que porventura exploraram suas riquezas foram acometidos de sonhos e quimeras. Isso porque nesse lugar habitavam os mais fortes desejos de voar nas mais altas nuvens, em busca de seus sonhos e realizações.
Desde quando se tornou o caminho do imperador na exploração do ouro, milhares de imigrantes chegaram a esta região em busca de riqueza, transformando suas florestas em pastos, e lavouras expulsando os nativos para longe. A pacata Maravilha e arredores, como Avelar e Paty do Alferes, acolhiam quase todas as etnias, de várias partes do mundo, como escravos oriundos da África para trabalhar no plantio da cana-de-açúcar e no plantio do café. Muitos migraram em busca de riquezas, outros chegavam contratados para gerenciar as fazendas dos alferes, homens ricos, donos das terras oriundas de doações do imperador. Eles mantinham a prosperidade do lugar e desenvolviam sua
cultura. Com isso, a cidade crescia, atraindo novos moradores. As estradas que levavam ao centro de Paty do Alferes viviam congestionadas de charretes, disputando espaço com as boiadas em direção à estação de trem, por onde escoavam a produção agrícola e desembarcavam e novos imigrantes.
A população crescia também com algumas famílias descendentes de sesmeiros, que se agruparam ao redor da cidade séculos antes, e antigos colonos viviam nesse recanto, usufruindo da magia e esplendor das fazendas de café. Terra de índios e caboclos”. Dessa mistura racial, só uma vontade permanecera latente: Alimentando seus sonhos de voar, para um mundo melhor, em busca de seus sonhos de liberdade e conquista.
Maravilha é o nome do lugar de sonhos dos imigrantes e pesadelos dos escravos que se rebelavam em busca da liberdade. Alimentou sonhos dos que por ali passaram na caminhada longínqua em busca do ouro em Minas Gerais, caminho desbravado pelo legendário caçador de esmeraldas Fernão Dias Pães Leme. Terra de Barões do café, berço de poetas e do autor da letra do hino nacional. Maravilha agora vivia das histórias do passado, sua herança maior.
A região progrediu e ajudou a concretizar sonhos, idealizados por aqueles que receberam benesses do imperador para cultivar as fazendas de café, que muita riqueza acumularam para suas famílias abastadas. Séculos depois, foi cenário de tentativas de vida melhor dos imigrantes japoneses, que fugiam da guerra e da fome e puderam desenvolver a cultura do tomate na região de terra fértil, mas que também cooperou para o contágio dos rios com agrotóxicos das lavouras, matando peixes e animais nativos. Refúgio espiritual e lugar de penitência de padres que saíam em romaria das igrejas locais, onde se açoitavam em procissão nas estradas da Fazenda maravilha rumo ao Morro do Fama em longos cortejos e atos solenes, querendo redimir-se dos seus pecados e do mundo pagando essa penitência.
Foi descanso de aventureiros regressados de outros cantos, como alguns caçadores de esmeraldas perdidos nas montanhas sem ter para onde ir, imbuídos do imenso desejo de voar para longe, de seus fracassos e sonhos desfeitos, serviu de exemplo para redenção daqueles que não conseguiram se beneficiar com a riqueza da extração mineral e só queriam uma vida melhor longe do garimpo, que só trazia riqueza para seus proprietários. Mas esse lugar tinha homens de olhar poético, sensibilidade latente, amor pela terra, paixão pela natureza. Contagiado por sua verve, o poeta caminhava por essas bandas, registrando no seu caderno. Ele versejava e deleitava-se encantado com a beleza no caminho para Avelar.

 “Nessa terra tem palmeiras, castanheira, imbuia e jacarandá, alamedas de ipê roxo e o florido jequitibá. Seus rios de águas límpidas alimentam o bisbilhar de riachos que embalam nossos sonhos ao anoitecer. Também tem aves de canto, como canta o sabia. Não há dia em que não me encante com o furor lírico do canário-da-terra e a sua perfeita sinfonia no ar. Enche-me de alegria o fugaz festim de andorinhas no céu a bailar. Nessa terra onde devagar vai-se longe, caminho feliz, lentamente percebo que o esse pássaro Vira Campo ajuda a semear o seu fruto, e, ainda que lentamente, percebo que há mais vida na imbaúba, onde a habita a preguiça desfrutando do seu banquete alimentar. Logo adiante, resistentes e imponentes, construídas sobre os galhos do pau-brasil, há casas de joão-de-barro perfeitas para morar. Em meu devaneio de tanta beleza fitar, fico envaidecido e mergulho no meu soberbo delírio, pois meu olhar deslumbra-se mais ainda com o vigor do vermelho-sangue, da flor do pé de Mulungu onde descansam as maitacas em algazarra, ao revoar.

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