Segunda-feira, 23 de dezembro de 1963, 13h
A jovem caminhava lentamente na Praça Tiradentes, e alguns pombos brancos alçavam voo sobre sua cabeça.Ela parou indecisa em frente ao teatro Carlos Gomes, sem a noção exata para onde seguir. Seus pés doíam dentro do seu sapato Anabela gasto e com o salto
deformado, que lhe tirava o equilíbrio. Ela ficou por alguns segundos parada
na esquina pensando para onde ir, e estava tão distraída com seus pensamentos confusos que não percebeu a aproximação de um senhor de terno escuro e gravata branca e sapatos bicolor, com seu perfume barato exalando pelos poros e olhar matreiro sobre ela. Sem que ela percebesse, num
gesto sutil, ele a segurou pelo braço, puxando-a para perto
dele.
Numa abordagem direta, ele lhe ofereceu dinheiro para fazer um programa e acompanhá-lo até o hotel mais próximo dali. Surpreendida com a proposta obscena, ele reagiu de forma brusca, demostrando repulsa àquela figura um tanto asquerosa. Ela desvencilhou-se de suas garras e o
empurrou com força, jogando-o no chão. Ele levantou-se, e limpou
sua roupa com um lenço branco que tirara do bolso traseiro de
sua calça molhada. Paralisado com a atitude surpreendente da jovem, ele a olhou com ódio,
fazendo menção de agredi-la mas, se acovardou-se ao perceber que um policial o
observava do outro lado da rua, então ele esbravejou alguns palavrões ainda no
asfalto perto de uma poça-d’água. Irritado e com a face enrubescida de vergonha
pelos risos de outros passantes, ele se recompôs e se retirou resolutivo,
abraçado a uma suposta prostituta que veio
a seu socorro. Parecendo bajulá-lo, ela tomou o lenço da sua mão e saiu limpando
seu terno com o lenço branco. Aproveitando o tumulto à sua volta, a jovem
retirou-se em passos apressados e entrou na Rua Sete de Setembro, sumindo na multidão.
Segunda feira 23 de Dezembro 4h da tarde
No centro da cidade do Rio de Janeiro, o povo vivia a expectativa de novos tempos com a proximidade do ano novo. A politica no país capengava com incertezas e rumores, mas o povo mantinha as esperanças em dias melhores Pois era a semana do Natal, e o espírito cristão e natalino
ainda predominava sobre a maioria das pessoas, fazendo com que esquecessem por alguns instantes das agruras do mundo. As lojas estavam enfeitadas para o Natal, com presépios
retratando o nascimento do menino Jesus. Nas vitrines das lojas,
bolas coloridas e luzes piscavam em ritmo cadenciado nas
árvores de natalinas, iluminando o Papai Noel e suas renas em músicas de Natal ecoava nas ruas, vindo das
lojas de nome Rei
da Voz e dava o clima festivo do mês de dezembro. “Jingle Bells” era a música
que tocava na maioria das lojas do centro da cidade. A multidão aglomerada em
busca de novidades se acotovelava nas lojas de discos, pois as vendas de
músicas natalinas aumentavam com novos lançamentos e a maiorias dessas pessoas
preferia a “Noite Feliz”, escrita em 1818 pelo padre Joseph Mohr e musicada por
Franz Gruber”. O clima era contagiante em toda cidade e principalmente nas ruas
da Alfândega e Sete de setembro, onde a maioria das loja se concentravam por
esse motivo já estavam cheias de homens mulheres e crianças aparentemente
felizes, na sua maioria consumidores em busca de presentes. As pessoas se
aglomeravam em frente às vitrines de joalherias e a jovem ficava de olhos bem
abertos, vidrados e arregalados, admirando os homens comprando colares para
suas mulheres ou amantes. Proeminentes senhoras da alta sociedade ávidas por
novidades enchiam os magazines do centro da cidade e carregavam a tiracolo suas
empregadas para carregarem suas compras.
Na Rua Buenos Aires, as crianças entravam nas lojas de brinquedos eufóricas. Do
lado de fora da loja, a jovem enrolada em um cobertor,
observava o movimento dos consumidores e sorria contagiada pelo clima festivo e admirada com
suas sacolas e embrulhos de presentes envolto em papel coloridos. Minutos
depois, essa mesma jovem estendeu a mão aos clientes que saíam das lojas
abarrotadas de presentes, mas eles a ignoravam, reclamando dos números de
pedintes nessa data natalina.
Duas horas depois
A noite chegou, as lojas se fecharam e o brilho das luzes de Natal se apagou. As ruas foram ficando desertas,
poucos carros circulavam pela presidente Vargas, e pouco a pouco cidade se apagou. Desiludida, ela caminhava cabisbaixa
com um aperto em seu coração, meio perdida na multidão que se aglomerava em pontos de ônibus para retornar às suas
casas. Ela seguiu olhando as lojas de roupas infantis que ainda
se mantinham acesas, e as vitrines com manequins de crianças vestidas para noite de festas. Seus olhos brilhavam
mareados enquanto acariciava sua barriga. As músicas das lojas de
discos haviam embalado seus sonhos distantes de sua realidade. Desilusões momentâneas tomaram conta daquela jovem, que experimentava
as agruras de viver ao relento
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