TRECHO DO LIVRO
Depois de um tempo que ele não soube precisar, Venâncio
recobrou ligeiramente seus sentidos. Os sacos com os corpos não estavam mais na
sala. De uma porta camuflada atrás da estante surgiu quatro seres com roupas
negras cobrindo todo o corpo. Eles o rodearam e se sentaram ao seu lado a mesa,
em silêncio. Lancarto dirigiu-se a cada um dos presentes em sussurros, em uma linguagem
que Venâncio não entendia.
Lancarto foi até a frente de todos, segurou o brasão
da família acima da cabeça e disse:
- A partir de hoje teremos um novo membro
incorporado através do ritual de obediência e segredo que irá para o túmulo com
os membros aqui reunidos. Refaçam os votos de respeito ao símbolo maior da
família Aranha, que por século jura obedecer, honrar e defender a qualquer
preço a nossa conquista através dos séculos.
Após o ritual de reverência ao símbolo da família,
disse:
- Se todos estiverem de acordo com o novo membro, o abracem em sinal de aceitação.
Neste momento, todos se reuniram em volta do novo
membro e o abraçaram, encerrando o ritual sem mostrarem seus rostos ou
esboçarem uma palavra. Em seguida, Venâncio foi levado até um dos aposentos da
mansão no segundo andar. As escadas que levavam aos aposentos eram de mármores,
nas cores salmão e bege e tapetes persas adornavam o ambiente.
No quarto, uma cama de jacarandá talhada e protegida
por mosquiteiro fascinou Venâncio, que recobrava lentamente os seus sentidos,
ainda confusos pelo ritual que a qual fora submetido. Sentado em um colchão
macio, ele olhou para o teto, que agora não distorcia aos seus olhos. Tudo
aquilo era real. Ele jamais havia visto uma casa como aquela em sua vida. Onde
ele morava até então não tinha mais que
um metro e setenta, dificilmente ele ficava em pé, estava sempre sentado ou
deitado; era apenas uma casa de camponês.
Agora, Venâncio não via a hora de deitar-se e
dormir um sono dos deuses.
Na manhã seguinte, Venâncio acordou com seu café já servido
em uma mesa lateral, as toalhas brancas de banho e de rosto estavam nos pés da
cama. Eram exatamente nove horas, e alguém já havia entrado no quarto e ele não
percebera; seu sono nunca fora tão pesado como naquela noite, ele nunca
acordara tão tarde em toda a sua vida. Teve a sensação de que tivera um sonho
macabro e ao mesmo tempo sentia-se bem de acordar naquele ambiente limpo e sofisticado.
Pensou consigo mesmo: “Isto é o que eu quero para minha vida, não nasci para aquela
pobreza.”
Seu corpo estava leve como uma pluma. Levantou-se
e encaminhou-se até o banheiro. Um espelho estilo colonial tomava toda a parede
acima da pia, e decorava suntuosamente o ambiente. Pela primeira vez ele se via
em um espelho, pois sempre fizera sua barba usando como espelho seu reflexo na
bacia d’água ou na beira do rio, usando seu recanto mais calmo sem correnteza
onde o reflexo era possível. Nesse momento, sorriu para o espelho discretamente
e esboçou uma leve careta, afinal ele era um jovem encantado com o luxo que
nunca conhecera. Olhou para o chuveiro, acariciou seus metais e sentiu a frieza
em suas mãos, como se fossem joias. O que era ainda melhor era a luz elétrica. Venâncio
brincava com o interruptor como uma criança; era a primeira vez que ele tinha
contato com a eletricidade, pois somente um por cento das casas de São Jose de
Talvegue tinha luz elétrica. Depois de minutos de contemplação, resolveu abrir
as torneiras e tomar seu primeiro banho de chuveiro na vida