1999. Um carro sobe lentamente a estrada que corta o Morro do Fama. Seu condutor coloca a cabeça para fora e respira fundo para sentir o aroma do campo e o frescor da manhã. Logo adiante, já no topo, ele para o carro em um recuo da estrada e tenta saltar, mas é contido pelo pesado tráfego de caminhões que cruzam à sua frente, disputando espaço com motos e carros de passeio. Ele, pacientemente, aguarda relaxado dentro do veículo, prepara sua máquina fotográfica e espera o trânsito diminuir para que possa usufruir da paisagem do vale que descortinava à sua esquerda. Minutos depois, ele sai do carro e procura um lugar mais acima, subindo o barranco com alguma dificuldade, por não ser mais tão jovem. Além disso, é cuidadoso ao certificar-se de que a vegetação está firme no solo, tendo noção do perigo. Não pode arriscar-se a uma queda no penhasco porque estava só naquele momento. Cautelosamente, agarra-se à vegetação rasteira até atingir uma pequena árvore que parece ser uma castanheira. Ele pensa que gostaria de ter o poder de voar a fim de não precisar gastar tanta energia para subir o Morro do Fama e desfrutar, como os pássaros, de uma visão aérea do vale, mas, infelizmente, não possui mais esse poder. Então, como todo ser humano, chega exausto e relaxa à sombra da frondosa, mas ainda pequena árvore, que dali a alguns anos atingirá sua plenitude de 30 a 50 metros de altura, e, caso não venha a ser derrubada, dará frutos e será uma árvore frondosa como todas de sua espécie que ele conhecera no passado. Muito provavelmente, abrigará ninhos de juriti e outros pássaros, se é que ainda existirão, pensa ele, olhando para o céu, à procura de alguma ave. Sua tentativa de visualizar algum pássaro que pudesse ser fotografado foi em vão. Ele deita-se na grama e deixa que algumas pequeninas joaninhas de bolinhas pretas, com seu corpo semiesférico e suas seis patinhas, subam em sua mão, fazendo-o relaxar. Por segundos, ele se esquece do mundo, apreciando o lento deslocar desses magníficos insetos coleópteros em seu braço. As joaninhas alçam voo e seguem o seu destino. Ele as acompanha com o olhar de observador e um sorriso de satisfação no canto da boca por lembrar-se do seu tempo de criança.
M.C. Jr., João. O menino que queria voar . SG Leitura Digital. Edição do Kindle.
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