TRECHO DO LIVRO, O MENINO QUE QUERIA VOAR.
O orvalho começava a cair lentamente, cobrindo a relva do campo. Grilos cantantes davam o ritmo sinfônico à natureza, convocando todos os seres vivos que habitam a relva do campo para a festa na grota, após o entardecer. Ali milhares de ortópteros se fartariam nas lavouras, juntando-se ao mais operantes deles, os gafanhotos, os mestres da comilança, astutos e bem organizados, como um exército invasor, que bombardeava e atacava pelos flancos as lavouras, não dando chance de defesa às leguminosas ou hortaliças. Os gafanhotos seguiam dizimando grande parte do trabalho árduo do pequeno agricultor que, por meses, cultivara a terra em busca de dias melhores. Nas noites de outono, a lua resplandecia sobre o vale e, nesse cenário de magia, iluminava o teatro da vida animal abaixo do Morro do Fama. Com sua contínua sonoridade uivante, o vento frio castigava os animais no curral das fazendas, deixando-os inquietos. Animais de hábitos noturnos, como os morcegos-vampiros, saíam das cavernas em busca do alimento preferido para o seu banquete noturno, o sangue do gado que ficava ao relento. A matreira coruja suindara, meticulosa e sorrateira, espreitava por entre galhos da jabuticabeira o galinheiro da casa de portas azuis, aguardando a hora oportuna para sua investida, mantendo-se fora do alcance do cão de guarda de nome Capeta, que dormia na varanda da casa. Logo adiante, amarrado ao pé de carrapicho, o cavalo Tinhoso relinchava impaciente com o grasnar dos recém-chegados imigrantes patos d’água, no lago ao lado da cocheira. A madrugada chegava e a fauna tomava conta do palco, diversificando-se. Novos e ativos exploradores chegavam furtivos para desfrutar da riqueza da flora e da fauna. Sem se importar com o frio da madrugada, o ouriço-cacheiro, protegendo seus rebentos recém-nascidos, espantou seus predadores, os lobos-guará, soltando seus espinhos, com uma precisão de arqueiros medievais, causando dor aos oponentes.