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São minhas palavras perpetuando histórias. Revivendo as memórias de coisas que nunca vi. São minhas palavras que criam esse mundo misterioso, do real ao ficcional. COSTA, JOÃO. MEU PENSAR , CONTOS , PROSAS E POEMAS 2 (02) . Edição do Kindle.

sábado, 5 de agosto de 2023

O MENINO QUE QUERIA VOAR

Em um domingo alvissareiro de 1949, às sete horas da manhã, na estrada de Maravilha, as dormideiras acordavam com os primeiros raios de sol que penetravam entre os galhos do pé de mulungu, onde as maritacas faziam algazarra, acordando o dorminhoco tatu-canastra, que repousava em sua toca, abaixo do campo de cereais, aparentemente exausto, depois de uma cansativa noite de caça. Os gaviões faziam voos rasantes, tentando pegar calangos, que saíam das tocas em busca do calor do sol na pequena formação rochosa. Longe do perigo, em uma frondosa castanheira, a juriti-gemedeira ajeitava seus ovos no ninho, protegendo suas futuras crias. Um pouco mais acima do Morro do Fama, na mata fechada, com sua preguiça costumeira da manhã, a onça-pintada descia do tronco da peroba, afiando as suas garras e iniciava sua jornada de caça matutina às capivaras, à beira do rio. Como de costume, seus obstinados moradores já estavam na estradada ao alvorecer. Alguns recolhiam jenipapos, a fim de produzir licores fortificantes para ajudar aos menos afortunados no combate à tuberculose, que se alastrava na região. Os que se sentiam abençoados estavam arrumados com as suas melhores roupas e rumavam em direção ao lugarejo chamado Maravilha. Por esse motivo, o trânsito de charretes e cavalos, descendo o Morro do Fama, em direção a uma pequena igreja congestionava a precária estrada. Mesmo com todo cuidado, os hábeis condutores de charretes não evitavam alguns acidentes com seus cavalos, que deslizavam no barro vermelho. O estado calamitoso era devido à chuva da madrugada e aos sulcos deixados pelo intenso tráfego de carros de boi no dia anterior, transportando leguminosas e hortaliças em direção ao centro de Paty do Alferes. Tudo estava quase intransitável. Neste domingo, a maioria dos moradores dirigia-se para a única congregação num raio de dez quilômetros. Para os membros desta irmandade, o domingo era o dia de regozijar e agradecer as dádivas concedidas aos moradores que sobreviveram e resistiram, com tenacidade, a uma grande seca. Esta culminou com incêndios inusitados em algumas fazendas de cana-de-açúcar, alguns meses antes, dizimando animais e acabando com as lavouras de café, não poupando o pequeno agricultor que, nesse momento, tentava manter a vida no seu rumo. Estavam reunidos para agradecer a Deus e felizes por poderem voltar a plantar após a recuperação das terras arrasadas. Contavam com a fé para reverter os percalços e com o milagre da natureza, que voltaria a dar o exemplo da sua força, mantendo a ordem natural das coisas no pequeno lugarejo situado abaixo do Morro do Fama. No caminho que levava à entrada da igreja, uma bem cuidada alameda de flores, com margaridas, rosas vermelhas e brancas e hortênsias, exalava seu perfume e coloria o caminho que conduzia as pessoas até o portal do templo. M.C. Jr., João. O menino que queria voar (Portuguese Edition) . SG Leitura Digital. Edição do Kindle.

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