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São minhas palavras perpetuando histórias. Revivendo as memórias de coisas que nunca vi. São minhas palavras que criam esse mundo misterioso, do real ao ficcional. COSTA, JOÃO. MEU PENSAR , CONTOS , PROSAS E POEMAS 2 (02) . Edição do Kindle.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

O MENINO QUE QUERIA VOAR

Nesse domingo considerado especial, Messias trajava seu melhor terno de gabardine, que comprara semanas antes com o dinheiro das vendas da boa safra de abóboras e repolho. Vaidoso, gostava de ouvir os elogios dos parentes e membros da igreja à sua voz forte e afinada. Logo após o encerramento das pregações do seu tio Margarino, que dava ênfase ao pecado da gula do vício e das mentiras que levariam o homem à ruína, ele pegava seu cavalo Tinhoso e ia para o armazém do João Gouvêa, situado a menos de um quilômetro dali. Sua esposa, que todos chamavam de Dona Candida, aparentava ser bem mais jovem do que era. Apesar dos seus quarenta anos, nove filhos e toda a dureza da vida, tinha seus cabelos negros, pele morena, sem nenhuma marca do dia a dia rude que levava no campo, e duas lindas tranças grossas sobre os ombros, herança do seu sangue indígena. Transbordava alegria. Seu vestido, com motivos florais confeccionados por ela, a deixava em sintonia com a natureza ao redor, e, por hábito, usava um véu branco, presente da sua sogra de origem luso-alemã, casada com Messias, seu sogro, o artesão de colchões de origem cabocla. Ela o mantinha cobrindo sua cabeça, enquanto permanecia no templo. Estava grávida de nove meses e acompanhada por seus três filhos mais novos. Como fazia todos os domingos, ela repartiria entre os membros presentes o bolo de fubá e o café com leite que ainda se mantinha quente dentro de bules de ágata sobre o fogão a lenha na pequena e bem arrumada cozinha nos fundos da igreja. Os bolos de fubá ainda exalavam o cheirinho da erva-doce, que perfumava o ambiente, deixando todos salivando, enquanto dona Candida orava, agradecendo o alimento que estava sobre uma mesa de Jacarandá. Os bolos e pães estavam cobertos por guardanapos de linho bege, bordados com o tema que ela mais gostava: a flor maravilha. A mesa era forrada com uma toalha de crochê branca, feita por ela, engomada com a fécula de trigo. Um bule de ágata azul turquesa, cheio de flores margaridas, colhidas naquela manhã no caminho para igreja, ornamentava a cômoda, onde eram guardadas as toalhas. No final do culto, as mulheres eram presenteadas com buquês de flor maravilha pelo pastor Margarino. No interior do templo, alguns membros visitantes de outras regiões, aguardavam o desjejum que seria servido. Generosos pedaços de pão de centeio e de milho estavam dentro de pequenos cestos de vime que decoravam a mesa do café da manhã.

M.C. Jr., João. O menino que queria voar (Locais do Kindle 119-121). SG Leitura Digital. Edição do Kindle. 

M.C. Jr., João. O menino que queria voar (Locais do Kindle 105-119). SG Leitura Digital. Edição do Kindle. 

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