Na contramão dos
avanços de ordem científica e punitiva, a queda das desigualdades sociais – sendo
ambos fatores apontados como responsáveis pelo progresso nos países – no hemisfério
sul, na cidade de Rio de Rosário, vive-se à sombra do medo. Com o aumento dos
derivados de petróleo no mundo, devido à Guerra do Oriente o contrabando de
gasolina enriquecia a máfia do petróleo. O aumento da criminalidade abarrotava as
prisões de criminosos, as quais explodiam em violência com a superlotação. Muitos
prisioneiros amotinados degolavam seus rivais para poder reduzir a população
carcerária, que sem dúvida extrapolava o limite da tolerância humana. Nas ruas havia
um confronto diário que deixava rastros de sangue nas esquinas e nos guetos.
Como um
estranho no ninho, porém, um homem ainda resiste às tentações e à cobiça do enriquecimento
ilícito. Esse homem se chama Malone, um delegado aparentemente acuado pelo
sistema corrupto de sua cidade. Sua ética não lhe permite fugir de seus ideais
e ele sempre recorda uma frase de Che Guevara para definir suas atitudes: “Retroceder
sim, render-se jamais”. Consciente do perigo, Malone tenta resolver por conta
própria todos os desafios. Assim, ele precisa mais do que certo idealismo e
mais do que a coragem para encarar de frente o crime organizado. Não bastam os ideais
éticos, já que a situação requer mais astúcia e sangue-frio. Não estamos mais
na época das retóricas e o tempo, logicamente, agora é outro. De igual sorte,
jamais se deve confiar no sistema. Então, somente Malone sabe de suas
determinações.
Muitos
proeminentes cidadãos de Rio de Rosário se questionariam caso soubessem das
intenções de Malone. As duas perguntas prováveis seriam estas: “Por que um
delegado, bem-sucedido e no final de carreira, tem tais preocupações e seu conhecido
pudor e idealismo com a ética? Por que ele coloca sua vida em risco quando mais
fácil seria simplesmente aposentar-se e levar todas as suas condecorações por
bons serviços prestados, usufruindo da natural tranquilidade do ócio sem os
fantasmas dos inimigos seguindo seus passos?”.
Na atual
conjuntura é quase incompreensível tal posicionamento, talvez sendo mais fácil
entender suas convicções se pudéssemos invadir seu cérebro e penetrar nas
entranhas dos seus pensamentos. Assim poderíamos saber como se forma um caráter
e conhecer seus conceitos, sua forte chama ética e, consequentemente, seus
princípios morais e suas virtudes. Mas ao agir com sua sabedoria, senso de
justiça, coragem, moderação e lucidez, isso permite a Malone avaliar e concluir
que sua luta é inglória contra os valores pervertidos.
Em suas
reflexões ele chega à conclusão de que, nos dias atuais, a chama ética da
virtude se perde no universo nebuloso em que vivemos. Entre a percepção da
realidade e o universo ficcional inserido no cotidiano desta cidade, tudo é
possível e pode-se afirmar que o princípio
básico da ética está em um conceito que foi
deixado de lado: a vergonha. Desprovidas dessa moral, as pessoas não se deixam
formar conceitos éticos dentro de si e, sem tal excelência, não se deixam
inserir nos princípios básicos de outras virtudes. Os sem-vergonha não têm medo
do malfeito nem da cretinice e os indignados da cidade, enquanto isso, ficam
perplexos e não entendem por que os sem-vergonha são tratados com certa
benevolência e até são classificados carinhosamente por seus pares e por parte
da sociedade educada de caras de pau – e muitas vezes considerados, pelos
intelectuais analistas do comedimento humano, meros doentes mentais portadores
de desvios de condutas.
Como diz o
delegado Malone: “Já presenciei muitos bandidos, assassinos e corruptos
praticarem barbaridades e mudarem sua personalidade na frente do juiz, usando
artimanhas e se passando por loucos ou paraplégicos para escaparem de sentenças
maiores”. Seja de que forma sejam considerados, fica no ar esse sentimento
profundo e desagradável da depreciação do juízo e percebe-se nestas pessoas que
a falta do sentimento do medo, relacionado ao receio da desonra, foi perdido.
Tal
deplorável constatação deixa-nos atônitos e conclui-se que a chama ética se
apagou.
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