TRECHOS DO LIVRO
O
delegado Antunes Malone sempre vinha cedo para a delegacia e naquele momento
havia muita coisa a resolver. Malone chefiava uma investigação que já consumira
três messes de trabalho sobre um roubo de obras de arte ocorrido no Museu
Histórico Nacional. Ele já estava prestes a concluí-la com a prisão dos ladrões,
dos receptadores e do chefe do bando, que era dono de uma empresa de segurança.
Só faltava a expedição do mandato de busca e apreensão para sua equipe se
deslocar até a casa do chefe da gangue.
Malone
estava muito preocupado com a estranha demora para a expedição do mandato,
considerando-a fora dos padrões. A demora poderia facilitar a fuga dos
envolvidos e o vazamento de informações. Se mais uns dias se passassem, isso daria
tempo para os criminosos sumirem com as provas e jogar-se-ia por terra todo seu
trabalho de meses. O delegado tinha sua sala de operações instalada no terceiro
andar do prédio da Secretaria de Segurança, bem ao lado do secretário.
Trabalhar
ao lado do chefe tinha vantagens e desvantagens, pensava Malone todas as vezes
que encontrava o secretário e o cumprimentava. Se as decisões exigissem a
aprovação imediata do secretário, bastaria atravessar o corredor e, quiçá em
poucos segundos, ele obteria alguma resposta. Da mesma forma, quando o
secretário o convocasse para uma reunião seria fácil encontrá-lo. Neste
momento, como se fosse transmissão de pensamento, ele olha para o corredor e as
portas de vidro transparentes e vê o secretário Adriano Torres. O secretário
usa seu terno impecável da grife Armani Chang, sapatos bicolores reluzentes e
ostenta seu anel de ouro e brilhantes, que de longe brilhavam como pequenos
faróis a caminhar em direção ao seu gabinete. Malone balança a cabeça
procurando não pensar no que via naquela figura ostensiva que, com passadas
rápidas, chega até sua porta.
–
Bom dia, Malone! Como tem passado? Estamos tão perto e quase não nos vemos! Estou
acompanhando seus passos, quer dizer, seu trabalho. Por falar nisso, como
seguem as investigações sobre esse famoso roubo de grande repercussão na mídia?
–
Bem, secretário Adriano, estamos quase fechando o cerco em cima da quadrilha que
atacou o Museu Histórico Nacional.
–
O que roubaram desta vez?
–
Levaram dois quadros de um pintor alemão do século XVII, que retratavam a
assinatura da criação do Estado de Rosário pelo imperador.
–
Estes quadros têm algum valor de mercado, Malone, ou estão roubando somente um
registro da nossa história? – indaga o secretário.
–
Com certeza não haverá mercado nem colecionador que os queiram, secretário. Mas
talvez os ladrões não saibam o que pode dificultar a nossa investigação.
Com
ar irônico e sorriso contido, o secretário olha para Malone e diz:
–
Posso te dar uma sugestão, Malone?
–
Pois não, secretário.
–
Vai ficar só entre nós. Arrume réplicas e as ponha no lugar, pois ninguém vai
perceber nada. Sua esposa conhece muitos artistas, não é certo? Então,
encomendamos cópias perfeitas e pronto. As colocaremos no lugar e tenho certeza
de que dá pra enganar o povo que visita o museu. A maioria, Malone, não sabe
nada da história de Rosário.